Vão e Vinco

"Artigo I. Espécies de seres que ligam com vínculos
As forças que conectam o universo são Deus, o Demônio, o Espírito, o Ser
Animado, a Natureza, a Sorte, a Fortuna e, finalmente, o Fado. Esse vínculo
universal, que não pode ser designado por um único nome, não se limita ao
corpo ou aos sentidos físicos, pois o corpo não manifesta uma força que
emana exclusivamente dele. Metaforicamente, esse vínculo é chamado de
'mão', que, com múltiplas preparações, se dobra e se inclina para estabelecer
conexões." (BRUNO, 1591)

A reflexão de Giordano Bruno, em seu tratado De Vinculis in Genere,
convida-nos a explorar a natureza dos vínculos que tecem a trama do universo. Escrito no final do século XVI, após o fim da Idade Média — período marcado por hierarquias rígidas e um pensamento dominado pelo teocentrismo —, o tratado ganha relevância ao propor uma visão dinâmica e interconectada do mundo. Reconhecer o contexto em que foi escrito reforça a potência de refletir sobre os vínculos em tempos autoritários, nos quais as relações se manifestam, ainda que de forma tímida. Essa ideia ressoa no ofício do artista, que cria conexões com a matéria, entre materiais, com seus semelhantes e entre eles, construindo laços que transcendem o individual e alcançam o coletivo.

A mostra coletiva Vão e Vinco apresenta, como possíveis respostas a esses
vínculos, obras de Chiara Sengberg, Duda Breda, Fernanda Luz, João Balardin, Maria Barbosa, Nadira Yanez, Vitor Martins Dias, Yohannah de Oliveira e Yumi Shimada. A exposição convida o espectador a observar um grupo de artistas que escolheu se encontrar periodicamente para aprender coletivamente, apesar das diferenças em suas linguagens, contextos e materiais. Ao percorrer o espaço República, que integra os trabalhos ao ambiente, destacam-se dois eixos comuns: uma reflexão sobre o espaço e novas formas de paisagem, bem como as marcas deixadas pelo toque e pelas ações da natureza ao longo do tempo.
O vão, conceito consagrado pelos movimentos modernos da arquitetura,
revela-se poeticamente potente na exposição, destacando a complexidade da ocupação do espaço. Ele é uma abertura, uma saída ou uma paisagem que depende do outro para existir — afinal, o vão só se concretiza entre dois pontos de apoio. Nas obras de Nadira e Yumi, essa lacuna torna-se um dispositivo de retenção da memória. Yumi coleciona fragmentos de papel ao longo dos anos, criando esculturas que, embora tridimensionais, parecem desenhos suspensos na parede. Sua leveza balança com os movimentos dos corpos no espaço, refletindo um equilíbrio delicado entre preservação e exposição. Já Nadira molda formas que guardam os traços de sua origem, lembrando-nos da terra como matéria indomável, sujeita ao tempo. Enquanto Yumi incorpora a parede como elemento compositivo da imagem, Nadira a transforma em suporte físico, explorando peso,
contrapeso, luz e sombra.

João e Chiara exploram o vão como um intervalo que não se encerra, mas propõe movimento e transformação. Chiara suspende peças de tangram, evocando não apenas o espaço entre as formas, mas também a recombinação infinita da memória. O jogo e a lembrança se entrelaçam na metáfora do tangram, sugerindo novos significados a partir das mesmas estruturas. Já João desmonta uma cadeira, carregada pelo uso e pela história de quem nela sentou, revelando a presença dos vãos na mobília espaçosa de suas pinturas. O espaço entre o assento e o apoio das costas estrutura a relação do corpo com a terra, assim como a distância entre uma cadeira e outra reflete a conexão entre o eu e o outro. Em ambos os casos, a natureza da combinação transforma a obra em um monumento de aprendizado em constante movimento. Essa relação com o espaço dialoga com o que Georges Perec escreve em Espécies de Espaços:

"Penduro um quadro na parede. Logo me esqueço de que há uma parede ali.
(...) A parede já não é aquilo que delimita e define o lugar onde vivo (...), já
não é mais do que um suporte para o quadro. Mas também me esqueço do
quadro, já não o olho, já não sei olhá-lo. (...) Os quadros eliminam as paredes.
Mas as paredes matam os quadros." (PEREC, 1973-1974)
Atravessar o vão é perceber-se em relação, percorrendo uma paisagem em movimento entre pontos de contato, sejam eles figurativos (como a memória) ou físicos (como a parede). Se o vão é o intervalo que sugere ação, o vinco é sua inscrição na superfície — a marca do toque, do peso do corpo e da repetição que deixa registros. Um exemplo é a ruga de expressão, que nada mais é do que uma dobra do tempo, um testemunho de gestos repetidos. Seja um sorriso que deixa sua marca ou uma testa franzida que revela linhas de preocupação, o corpo carrega em sua superfície a história de suas ações. Da mesma forma, a natureza exibe suas marcas: uma cadeia montanhosa retrata o movimento das placas tectônicas, enquanto um vulcão guarda em seu entorno os vincos da lava solidificada. Até mesmo a efemeridade de uma nuvem carrega, em sua aparência, as dobras causadas pelo vento em suas gotículas de água.

Nas pinturas de Vitor, os vincos nos lençóis são vestígios de presença, evidências de um contato que, na permanência da tinta, emolduram uma paisagem do efêmero. As dobras e sombras dos tecidos acentuam a tensão entre estabilidade e desejo, entre a materialidade e o gesto. Já Maria explora a relação entre imagem e matéria, cobrindo figuras anteriores para criar novas paisagens. A cobertura transforma-se em textura, e o que deveria esconder acaba revelando ainda mais o prazer do toque antes mesmo do olhar.

Há vestígios de paisagens efêmeras também nas obras de Fernanda e Yohannah. Fernanda retrata incêndios, onde o fogo age como um vinco no tempo, transformando horizontes naturais e urbanos. Seu suporte transparente incorpora o espaço República, apropriando-se das dobras da sala e do branco da parede que se transforma a cada novo lugar. Yohannah, por sua vez, habita entre a abstração e o figurativo, capturando a força da água e a formação de céus chuvosos. Na maresia, os vincos efêmeros surgem quando a crista da onda cria uma dobra em seu interior, enquanto os mais permanentes marcam a paisagem costeira,
contando até onde o mar se estende. A onda, assim como o fogo, é uma materialidade da natureza que deixa marcas de seus próprios corpos nas topografias que atravessa.
Por fim, também em relação aos tecidos, coberturas e paisagens, Duda explora o vinco como uma dobra marcada no tempo. Suas fotografias mostram a ação de jogar cândida sobre o tecido, paralelamente a um passado reprimido em uma infância de influências católicas. O lençol revela um desejo que tentou se apagar, mas que, através de um rastro matérico, permanece no tecido ou no imaginário. O vinco, aqui, é uma fenda no tempo, onde se inscrevem camadas de existência nessa espécie de fantasma do tempo.

"Artigo II. Efeito daquele que liga por vínculo
Esta é aquela força que, por estabelecer vínculos, os platônicos dizem que
adorna a mente com a ordem das ideias; que preenche o espírito com a
sequência dos raciocínios e com discursos harmoniosos; que fecunda a
natureza com sementes variadas; que dá forma à matéria com uma
infinidade de condições; que vivifica, aplaca, acaricia, estimula todas as
coisas; que move, abre, ilumina, purga, satisfaz, completa todas as coisas."
(BRUNO, 1591)

Se o vão revela o espaço e o vinco registra, o vínculo persiste na união. O que perpassa todas as obras nesta exposição ainda é a decisão dos artistas de construir juntos um espaço de convivência e troca. Neste espaço compartilhado, entre vãos, vincos e vínculos, cada obra é um elo entre memórias individuais e histórias coletivas. E, ao final, a repetição da letra 'v' — vão, vinco, vínculo — força os dentes a pressionarem os lábios, criando a rigidez necessária para produzir o som. Um esforço silencioso e cotidiano, um compromisso com a comunicação e a criação. Mas, num instante, essa tensão se dissolve, e o rosto se abre em um sorriso discreto, como quem reconhece, enfim, a beleza do esforço que os lábios fazem ao tentar comunicar, assim como a satisfação que o artista encontra ao criar junto.

Julia Cavazzini, 2025
Nadira Yanez, Tênue, 2025. Cerâmica queimada em alta temperatura e esferas de cristal. 250 x 440 x 25 cm. Vista da exposição Vão e Vinco. Espaço República, São Paulo, Brasil. Créditos: Duda Breda e Chiara Sengberg.

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